18/04/2024

Decisão da Receita evita dupla tributação

Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
A Receita Federal ampliou a interpretação de leis que evitam dupla tributação
de multinacionais. Passou a permitir que as regras sejam aplicadas às empresas
brasileiras quando houver também prejuízo fiscal, e não só tributo a pagar no
Brasil. O entendimento, que está na Solução de Consulta nº 13/2024, da
Coordenação-Geral de Tributação (Cosit), orienta os fiscais do país.
Pelo texto, fica permitida a exclusão das despesas que ultrapassem o limite de
dedução de controladas no exterior do Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL,
mesmo que a controladora nacional esteja no negativo.
O esclarecimento, segundo especialistas, traz um conforto para as
multinacionais do Brasil que captam empréstimos com subsidiárias, filiais ou
controladas, pois confirma o que, na prática, já vinha sendo feito. Esse
posicionamento, acrescentam, é inédito.
A solução de consulta veio como resposta a uma dúvida de uma instituição
financeira que pegou empréstimo com filial sediada em paraíso fiscal. Ela queria
abater os excessos das despesas advindas dos juros desse mútuo da base de
cálculo do IRPJ e da CSLL no Brasil, onde a operação estava no prejuízo e,
portanto, não haveria base tributável.
Como a lei que permite a dedução é literal em dizer que é preciso ter recolhido
o imposto, o contribuinte resolveu esclarecer a questão. “Como na situação em
que a controladora apura prejuízo fiscal não há imposto devido, poderia ser
entendido, em uma primeira análise, que não seria permitida a dedução”, afirma
a Cosit no texto.
Mas, para o órgão, a bitributação também ocorre quando o contribuinte está
em situação de prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa de CSLL. “O fato de
não se apurar IRPJ ou CSLL a recolher no período não afasta o fato de que há
a tributação destas grandezas, igualmente como ocorre no caso de apuração de
base tributável”, diz o órgão, acrescentando que, por isso, é preciso fazer a
neutralização para que a mesma despesa financeira não seja paga duas vezes.
Segundo a advogada Simone Dias Musa, sócia do escritório Trench Rossi
Watanabe, a bitributação ocorre pela sobreposição de duas regras antiabusivas
específicas. São elas: a Lei nº 12.249/2010, que dispõe sobre o limite de
dedução, com a Lei nº 12.973/2014, conhecida como Lei de Tributação em
Bases Universais (TBU). Esta exige que, no fim do ano, tribute-se todo o lucro
do grupo, inclusive de filial ou controlada, no Brasil.
Esse efeito se evidencia porque ao mesmo tempo que os juros do empréstimo
intercompany são vistos como receita para a controlada estrangeira, é uma
despesa para a empresa brasileira. Por isso, os juros passam por uma análise de
dedutibilidade pela regra de subcapitalização, que consta na Lei nº 12.249/2010.
Ela determina que o limite dos juros dedutível sobre qualquer forma de
financiamento entre partes relacionadas é o dobro do valor do patrimônio
líquido apurado pela empresa brasileira. O excesso é indedutível do IRPJ e
CSLL.
À medida em que a receita de juros é integrada à base tributável no fim do ano
pela Lei da TBU e a despesa de juros que excede o limite de subcapitalização
não é dedutível, o mesmo item é cobrado duas vezes. “Agora a Receita diz que
se pode pegar esse excesso, que não foi deduzido, e não tributar quando auferir
o lucro da controlada. Só assim se neutraliza”, diz Simone.
Nesse caso, como há prejuízo no Brasil, a contabilização do lucro da filial
estrangeira reduz a base de cálculo negativa da CSLL e do prejuízo fiscal - que
hoje equivale a uma forma de pagamento ou um crédito tributário, podendo ser
compensado com os tributos a pagar nos anos seguintes ou usado em
transações tributárias.
De acordo com o advogado Gustavo Haddad, coordenador e sócio de
tributário do escritório Lefosse, a consulta traz isonomia e não prejudica
empresas que não lucraram determinado ano. “A multinacional brasileira que
esteja nessa situação no ano, com prejuízo, não vai ser prejudicada, porque vai
poder evitar bitributação, excluindo do lucro da controlada a parcela da despesa
de juros indedutível.”
Se não fosse dada essa interpretaçao da lei, afirma, a empresa brasileira ficaria
numa situação pior do que se nem tivesse tomado empréstimo. “Não ficaria
neutra, ficaria pior, porque teria que tributar lucro da controlada e não poderia
deduzir a despesa no Brasil”, completa.
Para a Simone Dias Musa, a solução de consulta evita litígios futuros.
“Acertadamente, houve a interpretação de uma legislação que literalmente
proibia a exclusão e provocava uma dupla tributação”, diz. “Foi feita uma
interpretação mais abrangente, o que evita processos litigiosos e disputas
judiciais desnecessárias”, conclui.